Senhor Quintela
Quintela e a família viviam numa ilha ao pé da antiga Escola. Lá, uns davam-se bem, outros davam-se mal, mas viviam todos juntos. Depois, com a urbanização do Bairro, começou a mudar para cá muita gente que ele nunca conheceu na vida.
Falando em gratidão, o senhor Quintela era um rapazinho quando estudou na escola primária. Ele andou por lá quando havia apenas o prédio principal com umas janelinhas quadradas de levantar. No mais, era vegetação a toda a volta. Na época, os diretores eram Dona Alda e o professor Alves. Recentemente, com o seu trabalho, ajudou ali na manutenção, onde agora está o CIaP.
Dona Rita, sua professora até a quarta classe, era severa. Não que ela fosse assim tão má, mas cara de má ele julga que ela tinha. Vivia a mandá-lo para a carteira no fundo quando ele aprontava alguma na classe. No último ano decidiu até chumbá-lo por ele ser muito rebelde.
Ele tinha dois meses quando veio de Setúbal para cá e os pais, António e Filomena, conseguiram uma casita na Cruz de Pau. Eles trouxeram a filha mais velha e o senhor Quintela. Aqui tiveram mais um filho.
Tudo o que pensava enquanto era menino era jogar à bola, fosse ao redor de uma árvore, fosse num grande descampado.
Quintela e a família viviam numa ilha ao pé da antiga Escola. Lá, uns davam-se bem, outros davam-se mal, mas viviam todos juntos. Depois, com a urbanização do Bairro, começou a mudar para cá muita gente que ele nunca conheceu na vida. Mas ainda encontra aqui a malta da sua juventude, embora muitos já tenham morrido.
Ele traz em sua fala as pedras para todo o lado, os lavradores e a gente da pesca. Terra de pescadores e das fábricas de conservas, como a Conserva Pinhais, onde a mãe o levava e ele ficava na creche dentro da própria empresa, onde um senhor tomava conta de toda a gente. Filomena ainda passou pela Marques Neves e outras mais, e depois trabalhou muitos anos numa metalúrgica que produzia as latas da sardinha.
Por volta dos onze anos, senhor Quintela passou a acompanhar o pai ao trabalho. António era trolha e, com o tempo, tornou-se encarregado. O filho seguiu seus passos. Porém, até assumir responsabilidades, a vida resumia-se a jogar a bola. Jogou enquanto pôde, até ser ferido por um colega da tropa numa partida que era para ser amistosa. Hoje, sem jogar, resigna-se a torcer pelo Leixões. Diga-se de passagem, o Estádio do Mar marca a história dos matosinhenses porque diz ser a eles que se deve sua construção, com as contribuições recebidas dos pescadores e apoiantes do Leixões Sport Club. Por isso, a homenagem do nome.
A emoção com que ele partilha as histórias do Bairro deixa transparecer: para o senhor Quintela, a Cruz de Pau é uma terra de valor, sagrada. Para mim Muro, também.